Fonte: Oxford Digital Library
Em Outubro de 1806, Ansell (pseudónimo de Charles Williams) compôs a caricatura acima publicada, na qual dispunha dois grupos de figuras entretidas a jogar uma partida de quadrilha, antigo jogo de cartas a quatro mãos (curiosamente, de origem espanhola). À volta da mesa da esquerda aparecia Jorge III da Grã-Bretanha, Carlos IV da Espanha, Frederico III da Prússia e Alexandre I da Rússia, enquanto na noutra mesa estava Napoleão, Francisco I da Áustria, um burguês gordo representando a Holanda, e o Papa Pio VII, cuja tiara e cruz estavam no chão, sendo esta última pisada por Napoleão. Note-se que Carlos IV, com ar desconsolado, referia que tinha sido obrigado a jogar uma carta do naipe de espadas, já que fora traído pela sua rainha, embora acrescentasse que mesmo que tivesse perdido todos os seus dólares não podia abdicar dos seus Ases [Aires, literalmente em espanhol], em alusão à primeira invasão britânica a Buenos Aires.
Menos de dois anos depois, a irrupção da Espanha na luta anti-napoleónica levou o mesmo autor a publicar a sequela que apresentamos de seguida. Aparte do tom satírico, trata-se de uma interpretação brilhante - e em alguns casos profética - das consequências dos levantamentos populares espanhóis no cenário da política europeia:
Fonte: Brown University Library
Quadrilha política - O fim do jogo. (Gravura 2.ª)
Caricatura de Charles Williams, publicada em Agosto de 1808
Apesar da confusão ilustrada nesta segunda caricatura, os personagens encontram-se mais ou menos nos mesmos sítios que ocupavam na primeira, exceptuando Carlos IV, que desapareceu da sala de jogo (estando supostamente encarcerado por Napoleão), vendo-se apenas a sua cadeira, vazia, com o brasão da Espanha. Em compensação, aparece um novo personagem representando a Espanha, o qual parece que acaba de descobrir a batota que Napoleão estava a fazer, provocando em consequência um enorme tumulto. Agarrando Bonaparte pelo colarinho, faz-lhe a seguinte ameaça: Digo-vos que sois um canalha, e que se não restaurais o meu Rei, o qual roubastes da outra mesa, e que se não restabeleceis o Ás [alusão à carta e ao Papa, derrubado no chão], pela honra dum patriota espanhol, estrangular-vos-ei! Napoleão, apanhado de surpresa perante a irrupção deste espanhol, perdeu o chapéu e está numa posição bastante complicada, apenas com um pé no chão, podendo cair com um simples empurrão. Ainda assim, dá ao espanhol uma resposta que não convence: Não sejas tão turbulento, tomei-o emprestado apenas para completar o baralho [a quadrilha era jogada com 40 cartas]. Interrompidas ambas as partidas perante esta confusão, os restantes personagens observam atentamente a cena, fazendo alguns comentários. Jorge III da Grã-Bretanha, na extrema esquerda, levanta-se para observar a briga com o seu monóculo, e parece admirado: O quê! Mas que confusão, não? Melhor ainda. Bonaparte ficou com o pior do jogo, devo dar uma mão. Note-se que a sua posição é a mesma como foi representado por James Gillray na caricatura The Spanish Bull-Fight... (por sua vez inspirada numa outra intitulada The King of Brobdingnag and Gulliver, do mesmo Gillray), com a excepção que, em vez do tridente, Jorge III sustenta agora uma clava com a inscrição Heart of Oak (literalmente, Coração de Carvalho), nome da marcha oficial da marinha real britânica. O Imperador Alexandre da Rússia, sentado entre o monarca britânico e Napoleão, parece reavaliar a aliança que formara em Tilsit com este último: Agora é a hora de raspar a ferrugem de Tilsit. Frederico III da Prússia, talvez a maior vítima da dita aliança, levanta-se para ver a bulha, e parece determinado a tirar proveito da desordem: Se não aproveitar a oportunidade presente, serei realmente um bolo prussiano (já na primeira das caricaturas acima inseridas o mesmo monarca usava esta expressão, a qual voltara a ser utilizada pelo mesmo autor em 1807, na caricatura intitulada The Imperial embrace - on the- raft - or Boneys new drop). Francisco I da Áustria, atrás do espanhol, levanta-se também e agarra no seu chapéu e na sua espada: Ah! Ah! O jogo tomou um rumo diferente do que esperava, não devo ficar parado. O burguês holandês, na extrema direita da gravura, apesar de sentado, afirma que também chegou a sua hora de abandonar o jogo e de se levantar: Raios e trovões! Estou bastante farto do jogo. Uau, uau, agora é tempo de me levantar. Abaixo deste último encontra-se o Papa Pio VII, derrubado no chão, em aparente alusão à ocupação napoleónica de Roma desde Fevereiro de 1808.
Concluindo, note-se que o subtítulo desta caricatura (The Game Up) tanto pode significar o fim do jogo ou o jogo terminado, como o jogo exaltado/agitado/revoltoso, sendo que o termo up, no sentido de movimento ascendente, também alude aos "levantamentos" ilustrados na caricatura. Por outro lado, a expressão the game is up (ou the game's up), para além do seu sentido literal de o jogo terminou, também é usada na língua inglesa para se dar a entender a alguém que as suas actividades ou planos secretos estão ao descoberto, e que por isso não podem continuar: precisamente o sentido daquilo que o espanhol diz a Napoleão...
Outras digitalizações:
1. Political Quadrille (1806):
b) British Museum.
2. Political Quadrille - the Game Up. Plate 2d (1808):
b) British Museum.