domingo, 28 de agosto de 2011

Carta do Bispo e Presidente da Junta Suprema do Porto a D. Domingos António de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Londres (28 de Agosto de 1808)



Porto, 28 de Agosto.


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Tenho a honra de receber os ofícios mais dignos e mais próprios do seu honrado e fidelíssimo coração, todo ocupado no serviço do nosso augusto Príncipe, não havendo negócio que não promovesse, nem advertência útil que não me fizesse. Eu aceito e agradeço todas, e me servirei de todas elas com o maior prazer.
Para o novo corpo recomendado por Vossa Excelência já tenho muitas recrutas que se estão disciplinando, na esperança de que chegarão brevemente os armamentos para elas. Aqui tenho tido repetidas conferências com o Brigadeiro-General Decken, que tenho por um alto político, e que se empenha muito na fortificação deste reino, sobre o que vai tomando instruções muito circunstanciadas.
Aqui têm aportado trinta e dois mil ingleses, como eles mesmo dizem. Já têm tido alguns combates com os franceses, nos quais têm vencido gloriosamente; as notícias que têm vindo individuais ainda não são certas nas suas circunstâncias, e este é o motivo por que não mando uma narração oficial. O que é indubitável é que eles têm vencido sempre, e que têm atacado o inimigo com um valor incrível. 
Mas finalmente os franceses requereram capitulação, e os ingleses anuíram e estabeleceram os artigos preliminares de que ofereço a cópia, nos quais a Junta deste Supremo Governo faz alguns reparos:

1.ª Não intervir naquele congresso o nosso General [Bernardim Freire de Andrade], e somente lhe foram participados depois de feitos.

2.º Não ser considerado de modo algum este mesmo Governo represente de Sua Alteza.

3.º Não se declarar por onde há de sair o exército francês, sendo certo que, suposta a liga ofensiva e defensiva que temos feito com a Galiza, não deveremos consentir em que vão daqui para Espanha doze mil inimigos armados, quando evacuarem o reino. 

4.º A demarcação mencionada para os franceses e para os dois exércitos combinados [britânico e português] fará retroceder parte das nossas forças, como é o exército de observação comandado por Bacelar, que se acha em Santarém, vindo a ficar muito mais longe de Lisboa, o que não convém.

Ultimamente se vê que se dispõe das propriedades portuguesas, que os franceses poderão levar, que poderão estar dentro das naus russianas [sic], e que poderão levar depois os agregados aos franceses. Nesta consideração lembra-se esta Junta de fazer os seus ofícios ao General inglês, e bem sinto não me poder aproveitar do conselho de Vossa Excelência. E enfim, esta batalha é por muitos modos e as forças são muito poucas. 
Nosso Senhor me ajude e guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 28 de Agosto de 1808.

De vossa Excelência,
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor D. Domingos de Sousa Coutinho,
amigo muito obsequioso e obrigado,

Bispo, Presidente Governador.

P.S.: Lembrando-me da recomendação de Vossa Excelência a respeito da esquadra russa, a fim de se evitar alguma represália, dirigi o ofício incluso ao Chefe da dita esquadra, e o mando primeiro participar ao General inglês [Dalrymple] para que ele conhecesse as nossa intenções a este respeito.