Apesar da convenção anexa ao Tratado de Fontainebleau prever que as tropas francesas e espanholas ocupassem o país ao mesmo tempo, tal não se passou quer no sul, quer no norte de Portugal. Tendo plena consciência disto mal chegara a Abrantes, Junot ordenou então que a Divisão espanhola do General Carrafa, que acompanhara a entrada das tropas francesas em Portugal, se dirigisse para o Porto. Porquê o norte e não o sul? Era natural que Junot tomasse aquela resolução, pois como o General Taranco se demorava a ocupar o território denominado como Reino da Lusitânia Setentrional (segundo o aludido tratado), "era necessário ir segurar a importante cidade do Porto, por onde podiam sair grande parte dos habitantes e das riquezas de Portugal, sendo a segunda cidade do reino em grandeza e opulência, e achando-se também nela a prata das igrejas do Bispado e de Braga" (José Accursio das NEVES, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, e da Restauração deste Reino – Tomo I, 1809, Lisboa, pp. 299-300). De acordo com este mesmo autor, o Porto esteve alguns dias sem tropas estrangeiras depois da saída da corte para o Brasil. A ocasião era assim propícia para se porem a salvo muitas riquezas e pessoas, que, de facto, chegaram a embarcar no navio Amor da Pátria, que estava pronto para se fazer ao mar no dia 4 de Dezembro, "mas obstaram-lhe as autoridades civis e militares daquela cidade; o capitão do navio foi repreendido, e ordens rigorosas embaraçaram a saída de qualquer outro que a tentasse" (id., p. 300).
A marcha da Divisão Carrafa foi no entanto bastante morosa. Estas tropas alcançaram Tomar no dia 28 de Novembro, mas só partiram no dia 9 de Dezembro, talvez em virtude do atraso do pagamento duma contribuição que Carrafa tinha imposto. De Tomar partiram em direcção a Coimbra (onde foram arrecadados mais dez mil cruzados, a somar aos quatro mil adquiridos em Tomar). Quando chega ao Porto, já a Divisão do seu conterrâneo General Taranco encontrava-se aí há alguns dias.
Percurso da Divisão Carrafa, de Abrantes ao Porto
Como já se referiu, depois de atravessar o país na zona de Valença, Taranco (Governador e Capitão General da Galiza), chegou ao Porto no dia 13 de Dezembro, tendo logo mandado publicar uma proclamação sua.
De acordo com Acúrsio das Neves, o General Taranco fez o possível por abrandar e suavizar os efeitos da invasão, mais que não fosse porque não impôs contribuições para o seu governo militar. Mas Taranco não se ficou só por aqui: "Não se intrometia no governo civil, deixando pacificamente aos tribunais e ministros o uso da jurisdição que tinham em nome do nosso legítimo soberano. Criou sim um novo tribunal da fazenda; mas composto de portugueses, e com o fundamento de que era necessário para prevenir o desarranjo em que ficaram as rendas reais, pela ausência do príncipe regente. Na verdade, as circunstâncias o exigiam; não pela falta de soberano, pois esta se achava suprida pelo legítimo governo que fazia as suas vezes, mas porque executando-se, posto que momentaneamente, o desmembramento do reino traçado em Fontainebleau, era necessário dar nova forma à administração da real fazenda das províncias invadidas pelos espanhóis; pois que, a respeito delas, cessava a jurisdição do erário de Lisboa.
Não apareceu uma só ordem de Taranco que desse ideia aos portugueses de que tinham mudado de soberano, senão a carta de 15 de Dezembro, dirigida ao Chanceler da Relação do Porto, em que lhe participava as ordens que recebera do Príncipe da Paz para facilitar o comércio de carnes e outros géneros de Espanha para Portugal, que devia já reputar-se como uma parte do território espanhol, separado da Inglaterra, e sem recursos por mar". "Por outra ordem posterior, expedida por Taranco ao superintendente das alfândegas, determinou este General que se despachassem os víveres vindos de Espanha com a metade dos direitos e sem a multiplicidade de emolumentos do costume" (id., pp. 303-304).