sábado, 2 de janeiro de 2010

Carta de Junot à Regência (15 de Dezembro de 1807)



Depois de vermos como as tropas espanholas foram ocupando o norte e sul do país, regressemos a Lisboa. A meados de Dezembro, e de acordo com Domingos Alves Branco Muniz Barreto, "era vulgar em Lisboa e corria como um facto que o General em Chefe tinha recebido uma representação anónima, na qual se lhe requeria certas providências para o bem do Estado, e até insinuando-lhe os meios com que se deviam dar. Ou fosse por este motivo, ou outro qualquer, é certo que Mr. Junot fez expedir uma extensa carta ao Governo da Regência, a qual é do teor seguinte:


O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe


Aos Senhores do Conselho de Regência




Senhores:


De todas as obrigações que o Imperador meu Amo me encarregou, a de melhorar a sorte dos portugueses ocupam-me bastantemente. Para o conseguir necessito de ser socorrido por pessoas de probidade e, particularmente, pelas autoridades do país. Necessito igualmente que as minhas intenções sejam conhecidas.
É essencialmente necessário tranquilizar o público do temor em que está pela falta de víveres. Há muito tempo que este objecto tem ocupado o meu cuidado. A carta inclusa o prova.
Eu me tenho prevenido de todas as coisas e os meus cuidados não serão infrutíferos. Porém, os mesmos portugueses devem-me ajudar. 
Participei ao comércio e a todos os especuladores que eu concederei uma inteira protecção a todos os que fizerem entrar víveres em Lisboa e noutros portos de Portugal, dos quais a venda será livre e segura. 
A suspensão dos trabalhos e a estagnação do comércio trouxeram a ociosidade a muita gente; e da ociosidade nasce a desordem. Tenho ordenado a Mr. Hermann que os oficiais artífices da marinha e os demais que se empregavam nas oficinas da artilharia sejam pagos todas as segundas-feiras, em proporção dos trabalhos que fizerem.
Tenho igualmente ordenado a Mr. Hermann de vos pedir uma relação das obras começadas por ordem do Príncipe do Brasil [D. João], a fim de conhecer se devem ser continuadas; ou se os oficiais que nela se ocupam deveram ser empregados em trabalhos mais úteis e mais necessários.
Anunciai ao povo estas disposições; obrigai com boas maneiras aos cidadãos que tinham principiado obras para que as continuem, ao menos em parte. Todos nas circunstâncias actuais devem prestar-se ao bem público.
Não sofrais que intrigantes corrompam a opinião pública, intimidando ao povo e aos sacerdotes com o pretexto de religião. O Exército francês, o seu chefe, a nação francesa e o seu Imperador professam a Religião Católica e Apostólica Romana. Os que procuram semear a desordem e a rebelião são unicamente os emissários do exótico Governo inglês.
Mandai fazer uma lista dos oficiais existentes em Lisboa pelas suas diferentes profissões. Que se dêm passaportes àqueles que não são de Lisboa, a fim de que passem a trabalhar nas suas províncias; e em suas pátrias os que forem estrangeiros. O resto que ficar, sendo em menor número, sendo fácil ocupá-los, igualmente serão felizes.
Os fabricantes devem dirigir e continuar os seus estabelecimentos sobre objectos necessários ao gasto do país, principalmente sobre aqueles que vinham do estrangeiro.
Lançai as vistas para toda a parte onde descobrires abusos e anunciai-nos e indicai-nos os meios de os destruir. Eu prontamente os adoptarei, e do mesmo modo providenciarei o que vós não podereis providenciar.
Estimara que o Conselho dividisse o seu trabalho, a fim de que o público saiba a quem se deve dirigir em cada repartição. Esta divisão pode ser feita da maneira seguinte: a Guerra, a Marinha e a Polícia; o interior e as Finanças em geral, tanto pelo que pertence como a despesas; o culto; as pensões; e as reclamações de qualquer natureza. Deve haver um fiscal para cada uma das divisões ser expedida, e para a execução de cada ordem o Conselho se reunirá com o comissário do Governo francês [Mr. Hermann], que será também consultado, para este me dar conta de todas as disposições que se tomassem, assim como das que se decidirem.
Por este meio todas as ordens partem do mesmo centro e, dirigidos pelas mesmas boas intenções, não deixaremos de conseguir o fim a que todos nos propusemos: o bem geral.
Incitai, Senhores, a segurança da minha alta consideração.


Lisboa, 15 de Dezembro de 1807


Junot




PS: Tende a bondade de me remeter a carta que vai inclusa, depois de terdes tomado dela perfeito conhecimento."




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In Domingos Alves Branco Muniz Barreto, Memoria dos Successos acontecidos na cidade de Lisboa, fls. 35v-37.