domingo, 4 de setembro de 2011

Carta do Bispo do Porto ao General Bernardim Freire de Andrade (4 de Setembro de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor: 


Sinto que Vossa Excelência padeça o incómodo da moléstia de olhos, a qual provavelmente procederá do demasiado calor do sol, pois eu também desde o dia em que fomos ao alto da Bandeira tenho padecido esta moléstia, e de cada vez estou pior, talvez porque não me possa abster de aplicação, que o tempo não dispensa. Levei à Junta os dois ofícios de Vossa Excelência, aos quais se respondeu como consta da carta inclusa, e se eu de mim só posso dizer alguma coisa, devo confessar a Vossa Excelência que julgo que não me convém intervir de modo algum em negócio de tantas consequências; o meu único desejo é ver-me livre disto, porque já não posso fisicamente, além dos meus embaraços, que afligem o ânimo incessantemente. Eu já disse a Vossa Excelência que os meus desejos se limitavam unicamente a que se restituísse a Regência, ficando eu acabado de todo o respeito de Governos. Nisto estou firme, e esta é a razão porque nada posso dizer a Vossa Excelência a esse respeito. Deus Nosso Senhor, que tanto nos tem socorrido, não nos faltará com as suas luzes para o acerto em negócio de tanta importância. Segundo as notícias que tenho, tem o projecto que eu desejo a respeito da Regência, e se assim for estará tudo feto. A respeito de despedir as tropas irregulares, conviria eu de boa vontade, principalmente para minorar a despesa, porque de Inglaterra somente veio a metade da quantia pedida; os meios extraordinários de empréstimos e donativos estão aplicados, nem há esperança de outros recursos; e nesta consideração parece ser indispensável diminuir a despesa, antes que cheguemos ao ponto de não haver forças para a subsistência do Exército. Alguns dos preliminares são muito sensíveis. O arbítrio que eu lembrei a Vossa Excelência é um dos broquéis de melhor defesa em negócios políticos, mas para a minha pessoa é muito melhor não ser ouvido.
Não sei se tenho dito bem ou mal, sei que estou obrigado a dizer o que entendo. 
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 4 de Setembro de 1808.

De Vossa Excelência amigo muito venerador e obrigado,

Bispo Presidente Governador.

[P.S.] Segundo a notícia que chega agora do Exército inglês já suponho a Vossa Excelência em Lisboa. Graças a Deus, graças a Deus.


[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. II, 1931, pp. 3-77, pp. 27-28 (doc. 74)].