segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Núncio Lorenzo Caleppi e a sua evasão de Lisboa, na noite de 18 de Abril de 1808


Lorenzo Caleppi (1741- 1817)

Lorenzo Caleppi, filhos dos Condes Caleppi, nasceu a 29 de Abril de 1741, na cidade de Cervia, nos antigos Estados PontifíciosPouco depois de ser ordenado sacerdote e alcançar o grau de doutor em lei civil e canónica, entrou para a carreira diplomática, onde começou por fazer algumas comissões secundárias. Posteriormente, foi nomeado Auditor da Nunciatura Apostólica em Varsóvia, e depois em Viena de Áustria, onde permaneceu vários anos. Em 1785 regressou a Roma e no ano seguinte foi para Nápoles, tendo o Papa Pio VI encarregado-o de tratar com aquela Corte os negócios da Igreja. Depois foi incumbido da presidência dos emigrados franceses eclesiásticos e seculares que foram recebidos nos Estados Pontifícios ao tempo da Revolução Francesa. 

Em 1796, durante as guerras revolucionárias, Napoleão é enviado ao comando de 30.000 homens para a chamada a primeira campanha da Itália. O Papa envia então Caleppi a Florença, onde consegue acordar os termos preliminares para a paz com os comissários franceses Saliceti e GarrauNo ano seguinte, Caleppi parte para Tolentino, onde assina com Napoleão  (entre outros) um tratado de paz entre a França e os Estados Pontifícios [sobre este período consultar a obra do Vicomte de Richemont, Bonaparte et Caleppi a Tolentino, Paris, de Soye et fils Imprimeurs, 1897].


Pormenor do Tratado (ou Paz) de Tolentino, concluído a 19 de Fevereiro de 1797,
onde se salientam as assinaturas de Caleppi e Bonaparte.



A paz durou pouco, pois em Dezembro de 1797, o General Duphot é morto em Roma por um soldado do Papa, facto que teve como represália a consequente tomada da mesma cidade pelas tropas francesas. Lorenzo Caleppi foge então para Nápoles, onde ainda se encontrava em 1799, quando os franceses ocuparam a cidade, não sem antes ter salvado muitos cardeais que aí se encontravam refugiados, conseguindo passá-los para bordo da esquadra portuguesa que estava ancorada naquele porto sob o comando do Marquês de Niza. Participou no conclave que sucedeu à morte de Papa Pio VI, em 1800, e no ano seguinte foi comissionado para tentar impedir uma nova ocupação do Reino de Nápoles, entrando em conversações com o General Murat. EFevereiro de 1801, o novo Papa Pio VII nomeou-o Arcebispo de Nisibi e Núncio Apostólico junto da Corte portuguesa. Antes de Caleppi se dirigir para Portugal, o Papa enviou-o para Parma, a fim de cumprimentar, na qualidade de Núncio Extraordinário, D. Luís de Borbón-Parma e D. María Luísa de Borbón, monarcas do novo Reino da Etrúriacriado apenas em Março desse ano). [Cf. Rodolfo Garcia, "Explicação", in Anais da Biblioteca Nacional - Vol. LXIRio de Janeiro, 1939, pp. 5-11]

Lorenzo Caleppi chegou a Lisboa a 21 de Maio de 1802, onde permaneceria durante os próximos seis anos. Entre 1805 e 1806, durante a estadia de Junot como embaixador da França junto da Corte portuguesa, Caleppi conviveu bastante com a esposa do General francês, Laure Junot, se é verdade o que narrou a mesma na sua obra Souvenir d'une Ambassade et d'un séjour en Espagne et en Portugal:






De facto, como conta Madame Junot no último parágrafo, Caleppi ainda se encontrava em Lisboa quando os franceses entraram na cidade, no final de Novembro de 1807; mas no entanto, ao contrário do que a Duchesse d'Abrantès refere, não foi por vontade sua que tinha permanecido em Portugal. Na verdade, apesar do próprio Príncipe Regente o ter convidado pessoalmente para partir para o Brasil, Caleppi viu-se impedido, naqueles momentos de confusão, de conseguir embarcar na esquadra portuguesa, dado que quando o tentou fazer já as embarcações estavam completamente abarrotadas. Ainda assim, o Núncio nunca se demoveu de continuar a tentar partir para o Brasil, como inclusive teve a oportunidade de comunicá-lo a Junot logo que este chegou a Lisboa. 
Depois de quatro meses vendo-se impedido por Junot para conseguir levar a cabo a sua ideia, Caleppi seguiu o exemplo de muitos outros (como por exemplo o Bispo do Rio de Janeiro, que o tinha feito a 4 de Março) e embarcou na noite de 18 de Abril a bordo duma pequena embarcação de pescadores que o conduziram para fora da barra de Lisboa, onde o esperava um navio português que tinha fretado para o conduzir ao Brasil. 
Pelo mau estado em que este navio português ficou ao fim de poucos dias de viagem, Caleppi viu-se obrigado a passar para uma fragata inglesa que escoltava o referido navio, acabando por ir parar à Inglaterra. Este facto atrasou muito a sua chegada ao Rio de Janeiro, que só ocorrerá a 8 de Setembro do mesmo ano, depois de ser conduzido num navio inglês. Caleppi permanecerá nessa cidade até à sua morte, em 1817, sendo por isso considerado o primeiro Núncio do Brasil. 

Ao saber da fuga do Núncio através de uma carta que o próprio lhe escrevera e que mandara que lhe fosse entregue no dia seguinte ao da sua partida, Junot ficou bastante irritado, dando a Vicenzo Macchi, Auditor da Nunciatura que tinha permanecido em Lisboa, o prazo de 24 horas para sair da cidade e de 4 dias para sair do país, declarando que o Núncio tinha praticado uma conduta astuciosa e que tinha faltado à sua palavra de honra, ao passar para a esquadra inglesa (crime condenado à pena de morte, segundo um decreto de Junot de 5 de Abril). 
Tendo conhecimento deste facto somente no início de 1809, Caleppi escreveu então uma réplica a Junot, justificando a sua conduta e tentando demonstrar que afinal tinha sido o próprio General francês quem tinha faltado à sua palavra de honra. Este documento teve alguma publicidade, tendo sido mandado publicar, em português e francês, pelo Príncipe Regente.

Já em 1811, o Secretário da Nunciatura, Camillo Luigi de Rossi, que acompanhou o Núncio nessa viagem, escreveu no Rio de Janeiro uma memória sobre a atribulada evasão de Caleppi, bem como sobre a sua conduta durante os quatro meses  tempo que viveu em Lisboa, fundamentando-a com diversas cartas relacionadas com os acontecimentos narrados, inclusive a acima mencionada. Este documento permaneceu inédito até 1939, data em que foi publicado nos Anais da Biblioteca Nacional (do Brasil), depois de ter sido descoberto no Arquivo Secreto do Vaticano e traduzido do original italiano por Jerônimo de Avelar Figueira de Melo, então embaixador do Brasil junto da Santa Sé. Adiante transcrevemos este  texto, bem como os seus documentos anexos

Para além deste texto, Camillo Rossi escreveu uma outra obra, publicada em português com o título de Diário dos acontecimentos de Lisboa, por ocasião da entrada das tropas de Junot, escrito por uma testemunha presencia, Camillo Luiz de Rossi [1.ª ed.: Lisboa, Casa Portuguesa, 1938; 2.ª ed.: Lisboa, ed. de Ângelo Pereira, 1944].

Finalmente, deve dizer-se que Rossi também escreveu uma biografia sobre Caleppi, onde o episódio da sua evasão de Lisboa também aparece largamente descrito: Memorie intorno alla vita del Card. Lorenzo Caleppi e ad alcuni avvenimenti che lo riguardano, scritte dal commendatore Camillo Luigi de Rossi, Roma, Tipografia della S. Congregazione di Propaganda Fide, 1843.





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Ver ainda, a respeito da evasão do Núncio: