Senhores e caros Colegas:
Encaminho-me para Madrid. Não há nenhuma estrada cómoda e, ademais, não há viaturas que sigam para Lisboa em linha recta. Só havia uma hipótese [ou seja, partir para Madrid], e aproveitei-a, ou melhor, paguei-a por um grande preço. Fiquei feliz por sair de Bayonne, cidade que está a abarrotar e onde todos os viajantes encontram-se mal e têm grandes despesas.
O Imperador determinou que no dia 10 de Abril receberia uma deputação portuguesa na cidade de Bayonne, e na estrada de Madrid estão preparadas as mudas de cavalos para a sua passagem, donde resulta que estarei em Madrid ao mesmo tempo que Sua Majestade.
É possível que, com ordens do Governo francês, consiga obter duplicados das colecções do Príncipe da Paz**, ou encontre, ao longo do caminho, outra ocasião para fazer uma colheita abundante para o nosso Museu [de História Natural de Paris]; aguardo a oportunidade e darei o meu melhor para que tireis proveito da minha passagem por Madrid.
Caso se proporcione tal ocasião [ou seja, caso o Governo francês envie as respectivas ordens], terei necessidade do Sr. Tondi; [mas] não sei onde encontrá-lo, nem para onde lhe poderia escrever. Imaginei pedir-vos, meus caros colegas, que tenhais a bondade de me enviardes para Madrid, sem demora, um aviso sobre o caminho que ele prossegue***. Estou assegurado que, caso me honreis com uma resposta, ela chegará às minhas mãos, mesmo que já não me encontre em Madrid.
Encontram-se semeados arcos de triunfo em todo o caminho que percorro, não somente nas principais cidades, mas também nas mais pequenas aldeias.
Os espanhóis estão encantados com a revolução que ocorreu no seu país e vêem os franceses com tanto prazer quanto antes os viam com repugnância.
O exército [francês] é tratado com consideração e melhor do que na França; são os administradores espanhóis que suprem, conforme as ordens do Rei, todas as necessidades dos soldados, que, avaliando a sua sorte através da qualidade do pão, julgam-se num país de Cocanha [pays de Cocagne].
Todas as províncias limítrofes dos Pirenéus enviam deputações ao Imperador: todos os magistrados, análogos pelo valor das funções aos nossos subprefeitos, querem ser [membros] das deputações, de modo que estas são muito numerosas. O infante de Espanha dormirá esta noite em Tolosa e esperará aí por Sua Majestade. Todos os monges saem dos seus conventos e enchem as casas onde estão as mudas de cavalos, na esperança de verem o Imperador no momento em que ele troque as suas mulas.
Adeus, meus caros Colegas, terei o dever de escrever-vos de Madrid: peço-vos que me conservem na vossa benevolência e de me crer
Vosso todo dedicado e afectuoso colega,
Geoffroy Saint-Hilaire
[Fonte: E.-T. Hamy, "La mission de Geoffroy Saint-Hilaire en Espagne et en Portugal (1808). Histoire et documents", in Nouvelles Archives du Muséum d'Histoire Naturelle, Quatrième série - Tome dixième, Paris, Masson et C. Éditeurs, 1908, pp. 1-66, pp. 33-34].
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Notas:
* Esta carta foi lida aos professores do Museu de História Natural de Paris em sessão de 20 de Abril, e respondida por Cuvier, seu director, três dias depois.
** É possível que Geoffroy Saint-Hilaire já tivesse tomado conhecimento tanto da prisão de Godoy como das subsequentes ordens de apreensão de todos os seus bens (emitidas a 22 de Março de 1808).