quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Carta do Bispo do Porto ao General Bernadim Freire de Andrade (10 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Bem certo estou em que Vossa Excelência por sua vontade não me demoraria um momento o gosto de me dar muito boas notícias suas, porque tenho nelas o maior interesse. Estimo muito que Vossa Excelência fizesse com feliz sucesso a sua jornada; queira Nosso Senhor que a possa continuar e concluir como eu desejo e nos convém.
O nosso Serpa (segundo me parece) vai satisfeito, e eu também o fico, esperando que a Vossa Excelência suceda o mesmo, vendo que os ofícios que me mandou vão plenamente satisfeitos, à excepção de pequenas coisas de que espero explicação. O Ministro que ainda não estava, não poderia ainda ter chegado*; agora já deverá estar no Exército; se não servir bem, darei logo providência. Todas as propostas estão na Junta para serem expedidas, e António da Silva, cuja honra é bem conhecida, tem a seu cargo a expedição delas, e eu incessantemente as recomendo. Remeto a Vossa Excelência as notícias que aqui têm concorrido; elas são favoráveis, graças a Nosso Senhor, mas eu ainda não as considero decisivas a respeito das tropas [francesas] de Burgos e lugares adjacentes, e nesta consideração ainda me dão cuidado as províncias do norte, e por isso muito estimo que Vossa Excelência mandasse armas a Bacelar, que estava inconsolável com a falta delas, e eu, se não mais, não menos. Quanto a dinheiros, devemos esperar em Deus Nosso Senhor que não faltem, ainda que de Inglaterra não venham, porque Deus Nosso Senhor não necessita dos ingleses, mas nós sim, procedendo humanamente; e porque em matéria de tão graves consequências e responsabilidade têm demasiado peso, dirijo a Vossa Excelência o ofício incluso a este respeito**; até lembrando-me de que ele poderá ter lugar em alguma conferência com o General inglês, que, conhecendo o nosso aperto, talvez nos possa socorrer com algum dinheiro do que traz, enquanto não chega o que se espera de Inglaterra. Vamos todos de comum acordo, sabendo todos a verdade e conhecendo de longe os perigos e as dificuldades para se poderem remediar antes que cheguem até onde nós pudermos chegar com o auxílio de Deus Nosso Senhor. Peço a Vossa Excelência que, da minha parte, participe ao Governador dessa cidade as notícias inclusas e que depois em meu nome as mande remeter ao General Wellesley. Já mandei vir os 300 homens de Viana e as tropas espanholas já têm aviso para partirem, e por toda esta semana partirão. Parte hoje o Regimento de Cavalaria que aqui se achava, e vai descontente por falta de promoção, pretendendo ao mesmo tempo que não entrem nele oficiais de fora; eu respondi que em parte tinham razão, mas que as mãos do Soberano não podiam ser ligadas. Nosso Senhor conceda a Vossa Excelência muito feliz saúde e forças para o grande trabalho dessa campanha. Terei toda a satisfação em poder agradar a Vossa Excelência e em que se persuada e todos que sou de Vossa Excelência amigo e obsequioso venerador e obrigado.

Bispo Presidente e Governador

10 de Agosto de 1808.

[P.S.] Nesta carta respondo igualmente ao ofício que recebo de Vossa Excelência no dia de ontem pelas 11 horas.

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 173-174 (doc. 10)].

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Notas:

** Trata-se do "ministro autorizado que faça pôr em movimento todas as molas desta máquina", o qual tinha sido requerido por Bernardim Freire de Andrade ao Bispo do Porto, em carta de 6 de Agosto

** Desconhecemos que ofício seria este, ainda que, pelo contexto, se possa supor que se tratasse do edital que a Junta do Porto publicara a 8 de Agosto, o qual visava precisamente o reforço económico necessário para "sustentação do Exército que vai cada vez mais a aumentar-se na justíssima causa da defesa do Reino".