sexta-feira, 17 de junho de 2011

Introdução ao primeiro número do Diario de Badajoz (17 de Junho de 1808)



O chamado bando de Mostóles, escrito no dia 2 de Maio de 1808, na sequência da repressão do exército francês sobre a população de Madrid, tardou apenas 2 dias para chegar a Badajoz, onde motivou a ocorrência, nesse mesmo dia 4, dum tumulto entre a população e trinta e cinco franceses e nove napolitanos que por ali estavam, talvez a caminho de Lisboa pela "melhor estrada de Portugal" (segundo as palavras do Coronel de Engenheiros Charles Vincent). Tentando serenar os ânimos, o Governador da província, o conde de Torre del Fresno, decidiu pôr a salvo aqueles estrangeiros, provavelmente dentro da prisão, embora logo no dia seguinte os libertasse para remetê-los para Elvas, onde se encontrava o General Kellermann (com cerca de 2.000 franceses). Na carta que escreveu ao dito General francês a este respeito, o referido Governador espanhol tentava suavizar a questão, dizendo que tudo não tinha passado duma "pequena perturbação" causada por rumores contrários à aliança entre a Espanha e a França. Não obstante esta missiva, o mesmo conde de Torre del Fresno difundia no mesmo dia pelas povoações da sua jurisdição uma carta circular, onde, apesar de duvidar da credibilidade do dito bando de Mostóles, passava a ordenar medidas defensivas, convocando um alistamento geral para fazer frente aos franceses, caso tais notícias fossem verdadeiras. Estas medidas acabariam por ser suspensas poucos dias depois, na sequência da chegada duma carta circular que a Junta de Regência, sediada em Madrid, enviara a todas aos Governadores das províncias espanholas, procurando evitar mais confrontos entre espanhóis e franceses. É certo que, tal como ocorreu em Portugal, também na Espanha sucederam volta e meia alguns desacatos pontuais, antes de começarem os levantamentos populares propriamente ditos. Contudo, partir do momento em que se divulgaram as primeiras notícias e boatos sobre o que ocorrera no dia 2 de Maio em Madrid, o convívio entre intrusos e populares tornou-se bastante mais difícil. A sede de vingança passou a ser o escape de todos os agravos sofridos pelo povo, que até aí aceitara passivamente servir as necessidades - e não eram poucas - do exército intruso. Apesar de todas as precauções das autoridades locais, os desacatos passaram então a ser mais frequentes, sobretudo nas zonas escassamente controladas por franceses. Enquanto ponto de frequente passagem de correios, mensageiros ou pequenos destacamentos de franceses a caminho de Portugal, a cidade de Badajoz não foi excepção, como se queixou o General Kellermann ao conde de Torre del Fresno numa carta de 18 de Maio. Não sabemos se o dito Governador espanhol chegou a publicar essa carta, como lhe instava o General francês. O certo é que o comportamento demasiado permissivo do conde de Torre del Fresno viria mesmo a provocar um motim popular, no dia 29 de Maio, que culminou no seu assassinato às mãos dos populares. Para ocupar o vazio do poder foi constituída nos primeiros dias de Junho uma Junta Suprema de Governo da Extremadura, para a qual foi nomeado presidente o General José Galluzo. Uma das primeiras medidas que este órgão de governo tomou, ao exemplo de outras Juntas, foi, para além do alistamento geral, a instauração duma máquina propagandística local, que se saldou logo no dia 17 de Junho de 1808 com um dos seus primeiros frutos, a saber, a publicação do primeiro número do Diario de Badajoz, redigido pelo médico extremenho [=da província da Extremadura] Pedro Pascasio Fernández Sardino, que também participou na redacção doutros periódicos, como o coetâneo Almacén patriótico e a Gazeta de Extremadura, ambos publicados em Badajoz, ou El Robespierre Español, publicado em Cádis, cujo tom bastante crítico viria a provocar a prisão do dito redactor, em 1811. Feita esta apresentação, publicamos abaixo a tradução da introdução do primeiro número do aludido Diario de Badajoz, periódico que, apesar de ter tido a duração de dois anos, é bastante raro, sendo apenas quinze o total de números existentes na colecção da Biblioteca Nacional de Espanha, alguns dos quais (como precisamente o primeiro número) reimprimidos pela Casa da Misericórdia de Cádis.


Os franceses levaram o nosso Rei, invadiram o nosso País, apoderaram-se das nossas Praças, os seus Exércitos atravessam impunemente desde Barcelona a Lisboa, e desde Pamplona a Cádis; e nós estamos aturdidos e sem ordem nem concerto. Não há remédio, seremos escravos de Napoleão! As cadeias que nos hão de aprisionar soam já nos nossos ouvidos; as nossas campinas desoladas vão oferecer-nos um espectáculo horroroso; e dentro de poucos dias os nossos desgraçados irmãos, atados como vis delinquentes, irão preparar noutro extremo da terra novos louros e novos escravos ao monstro da linhagem humana.
Assim discorríamos há poucos dias; os espíritos exaltados previam estes males, a imaginação arrebatada amontoava-os, e nos críamos perdidos porque o remédio não era tão veloz como ela. Mas a mina arrebentou, variou a cena, e uma nova perspectiva apresentou-se aos nossos olhos. O que éramos a 23 de Maio? O que éramos há 20 dias? E que somos já hoje? Um espaço tão curto enobreceu os ânimos, e deu energia a toda a Nação. Os gritos Pátria, Religião e Fernando soaram nas praias do Oriente e do Meio-Dia [=Sul] do Reino, e as montanhas do Poente e do Norte repetiram o eco. Pátria, Religião e Fernando ressoaram também nas planícies do Guadiana; e, atónitos, os traidores fugiram para esconder-se, ou desapareceram, os irresolutos animaram-se e as almas grandes e generosas repetiram entusiasmadas vivas à Pátria, à Religião e a Fernando.
Num instante tudo se ordena de novo. As rendas de um Governo inerte e cobarde passam para mãos patrióticas e activas, e em tão poucos dias renasce a esperança nos corações de todo o bom Espanhol. Por todo o Reino circulam proclamações, fazem-se alistamentos, e a gente corre à porfia a todos os pontos importantes do Reino, para formar Exércitos que defendam a Religião, sustentem a honra da Pátria, e salvem ou vinguem Fernando.
Glória e honra aos Chefes ilustres que o Povo designou para depositar nas suas mãos a vontade geral! Leais patriotas, vós sabeis bem que desde aquele momento vos impusestes a obrigação de cada um ser um herói; porque nada menos se necessita para corresponder à confiança que o Povo, que a Nação inteira fez de vós. Juntas Supremas de Governo, Juntas patrióticas, Juntas de verdadeiros Espanhóis, a vós se dirije a minha voz: em vossas mãos está o bem e o mal; em vossas mãos está a Soberania. Um Povo sem cabeça, ou dirigido por caminhos sinistros, abandonou os seus Chefes; e para ser governado com energia abrigou-se nas vossas luzes e no vosso patriotismo. O Povo não pôde fazer mais; desempenhai o vosso cargo, e a eleição terá sido acertada.
Mas o Povo não o duvida; vê o trabalho e as fatigas que tomais; e compraz-se nos seus Chefes. No primeiro dia deste mês não havia nesta cidade mais que desordem e descontentamento; 16 dias bastaram para criar um Exército que já intimida o inimigo, e que se aumenta com uma rapidez assombrosa. Haveis comunicado avisos, espalhado anúncios e proclamações, e haveis crido oportuno publicar um Diário, por meio do qual se espalhem e generalizem os vossos decretos e as vossas decisões, se fixe a opinião pública, e se avivem em todos os corações os sentimentos patrióticos.
Haveis-me confiado o resumo [das notícias] e todo o meu cuidado será não desmerecer a vossa confiança. Segundo o plano que vos apresentei, e que vos dignastes aprovar, cada dia se publicará um número do tamanho e letra do presente; a menos que por urgência ou por ordem do Governo haja que apresentá-lo duplo como este.
Não duvido que todos os bons espanhóis me ajudarão com as suas forças numa empresa da qual não espero nem tomarei outra recompensa que o servir a minha Pátria, como bom Espanhol, e como bom Extremenho. Os papéis que me dirijam pelo correio virão remetidos Ao redactor do Diario de Badajoz; e se merecerem a aprovação dos prudentes e sábios Censores que a Suprema Junta me nomeou, imprimir-se-ão com o nome do Autor, ou suprimindo-o se assim se manifeste.
O primeiro lugar será ocupado pelas proclamações, bandos, circulares, lista de donativos e demais que o Governo me ordene. O segundo pelas notícias sobre as ocorrências do dia em cada uma das Províncias do Reino. O terceiro pelas produções em prosa e verso que tenham por objecto inflamar a nação e assegurar o respeito ao Governo.
Uma empresa nova nesta cidade não pode começar com toda a perfeição; mas o público compreenderá e dissimulará os defeitos, que a cada dia serão menores. É possível que este papel ofereça pouco interesse nos primeiros dias, devido à sua pouca variedade; mas tendo subscrito muitos dos periódicos das Províncias, e tratando de fazê-lo com os restantes, e ainda com alguns estrangeiros, não poderei por muito tempo carecer de novidades.

[Fonte: Diario de Badajoz del viernes 17 de junio de 1808 (Reimpreso en la Casa de Misericordia de Cádiz. Año de 1808, pp. 1-3)].