sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Diário do Exército de Operações da Estremadura (26 de Agosto de 1808)




Quartel-General da Lourinhã, 26 de Agosto de 1808.


O nosso Exército, que tinha marchado de Coimbra a 9 e 10 de Agosto, de acordo com o Exército inglês que marchava de Lavos, aonde tinha feito o seu desembarque, entrou em Leiria a 12 de tarde, aonde já estava o Quartel-General do Exército britânico comandado por Sir Arthur Wellesley. Este, no dia seguinte de manhã, continuou a sua marcha, e a 14 acampou e pernoitou em Alcobaça. Entretanto as nossas tropas ficaram ocupando a posição de Leiria, que naquelas circunstâncias se tornava interessante; pois que o General Loison com um corpo de 6 a 7 mil homens se conservara ainda por além da Serra de Minde. No dia 16, tendo Loison chegado a Rio Maior, retrocedeu logo, e se foi reunir em Alcoentre, no mesmo dia, com o General em Chefe Junot, e ambos se ajuntaram com a Divisão de Delaborde, que tendo feito frente à marcha do Exército inglês desde Aljubarrota, Caldas e Óbidos, fora destacada para a importante e fortíssima posição da Columbeira. Nestas circunstâncias convinha que o nosso Exército se reunisse ao inglês para combater o inimigo, e já de Leiria lhe tínhamos mandado ajuntar 2 Batalhões de Infantaria de Linha, um de Caçadores, e 2 Esquadrões de Cavalaria. [A]demais, neste mesmo tempo constou que o Exército da Beira, comandado pelo Brigadeiro Bacelar, se adiantava de Castelo Branco para as margens do Tejo e do Zêzere, e cobria por isso daquela banda as três províncias do norte.
No dia 18 se pôs o Exército em marcha de Leiria, e nesse mesmo dia chegou a Alcobaça. Por toda a parte éramos recebidos pelos povos como Libertadores, particularmente pelos de Aljubarrota e Alcobaça. No célebre Mosteiro desta vila estava posta uma mesa magnífica, aonde cearam mais de 150 Oficiais de todas as graduações, e o Exército, acampado no rossio do mesmo Mosteiro, fazia pelo clarão das suas fogueiras uma excelente vista.
No mesmo dia 18, vindo em marcha, recebeu o General em Chefe a notícia de terem os nossos paisanos comandados por Manuel de Castro, Capitão do Regimento n.º 12 de Cavalaria, atacado no dia antecedente a guarnição francesa de Abrantes, que constava de 200 homens; destes ficaram 50 mortos e 112 prisioneiros, e o resto fugiu para a outra margem do Tejo, donde é quase certo que não escaparam. 
No mesmo dia 18 desembarcaram os ingleses em Paimogo coisa de 5.000 homens, que se diz virem directamente de Inglaterra. 
No dia 19 continuámos a marcha para as Caldas, e apesar de dois rebates, que depois se verificaram falsos, e que nos obrigaram por ambas as vezes a unir a nossa linha e esperar as bagagens, entrámos na vila às 5 da tarde. Pouco antes de chegarmos às Caldas, recebemos a agradável notícia de ter um corpo de tropas inglesas, a que se unira o Batalhão de Caçadores do Porto, alcançado uma grande vantagem das armas francesas. Eis aqui a cópia da carta que o Excelentíssimo General Wellesley remeteu ao Excelentíssimo General Bernardim Freire.

Vós sabereis que derrotei ontem o corpo do General Delaborde; os franceses perderam 1.500 homens, segundo me informaram; até se diz que o mesmo Delaborde fora morto. As Divisões Loison e Delaborde se reuniram na noite passada em Torres Vedras.
Tenho a honra de ser, etc.
Wellesley
18 de Agosto de 1808.

Este combate foi visto por muitas pessoas destas vizinhanças, e segundo a sua informação daremos uma relação dele, enquanto não aparecerem notícias oficiais inglesas.



Combate da Columbeira


No dia 17 de Agosto marchou o Exército inglês para a Roliça; o inimigo ocupava pouco adiante um monte quase inacessível, fortificado com três peças de artilharia, e defendido por 4.000 homens comandados por Delaborde e Thomiers. Nas planícies que ficavam antes do monte, estavam postados os franceses, porém logo que foram atacados se retiraram perdendo alguma gente. O General inglês mandou atacar o posto pela frente e pelo flanco esquerdo; nesta segunda coluna iam primeiro os Caçadores ingleses, e após eles os do Porto, comandados pelo Major Manuel Velho. O ataque dos ingleses foi sumamente vigoroso, e apesar das descargas do inimigo, iam sempre avançando, e subiram ao cume do monte, que em partes era tão escarpado que parecia impossível ganhá-lo pela frente. Ao mesmo tempo a coluna da esquerda tinha flanqueado o inimigo, e fazia sobre ele um aturado fogo; ele, vendo-se quase cortado, começou a retirar-se em grande desordem, abandonando 2 peças; concorreu muiyo para a sua fugida o corpo de Cavalaria, que lhe começava a rodear a ala direita. Os ingleses perseguiram o inimigo até à Zambujeira por espaço de mais de meia légua, e lhe tomaram a terceira peça. Os franceses perderam 300 a 400 mortos, entre os quais se conta o mesmo Delaborde, que teve uma bala no pescoço. Os ingleses perderam 40 a 50 mortos, em cujo número entra um Coronel, [e] 200 feridos, quase todos levemente. O combate terminou às 5 da tarde, tendo começado pelas 9 da manhã.
Às 7 horas da noite do dia 19, tendo as tropas entrado nas Caldas, e estando a receber as suas distribuições, deram-se dois tiros nos nossos postos avançados; vieram notícias que [as]seguravam a aproximação do inimigo, o qual, achando-se no Cadaval e Cercal, estava muito ao alcance de nos poder atacar, e lhe convinha muito fazê-lo para evitar a nossa junção com o Exército inglês; tocou-se a rebate em consequência disso, e foram obrigadas as tropas a conservar-se toda a noite em armas; e por isso foi ao outro dia que se puderam municiar e dar-lhes algum descanso, de que careciam; este incidente não permitiu que se avançasse no dia seguinte além de Óbidos. Nesta vila tivemos notícia que o inimigo levantara campo ainda de noite, e que se encaminhara pela Premoniz [sic] para as bandas de Torres Vedras.
Na manhã de 21 ouvimos uma fortíssima canhonada, que foi para nós o anúncio da famosa batalha do Vimeiro, vista por todos os estes povos, e segundo suas informações daremos dela uma relação individual, enquanto não se publica o oficial. 



Batalha do Vimeiro


Junot tinha partido de Lisboa com toda a gente que pôde reunir, e se ajuntou com Loison, Delaborde, e Kellermann, e todos os Generais de Brigada, com ânimo de dar uma batalha geral aos ingleses. De noite fizeram conduzir a sua artilharia e colocar as suas tropas de sorte que ocupassem parte dos montes que rodeavam o Exército inglês. 
No dia 21, perto das 9 horas, começaram a atacar o centro e a direita da posição dos ingleses, procurando ao mesmo tempo o voltar a sua esquerda; o seu primeiro ímpeto foi bastantemente forte; porém a firmeza da linha britânica lhe resistiu inabalável, e excede todos os elogios. Nem um momento esteve indecisa a vitória; os ingleses iam sempre ganhando terreno, até que desalojaram os franceses dos seus postos.
O Regimento 60 de Caçadores e os Reais escoceses fizeram maravilhas; a Brigada da Infantaria portuguesa, que ficava na ala esquerda, se portou com muito valor. Mas o que mais decidiu a acção foi a superioridade de força de artilharia a cavalo inglesa; trazem montadas peças de calibre 12; movem-nas com grande rapidez, e destroem todos os pontos contra os quais as assestam. Junot estava numa eminência observando o combate, donde mandava as suas ordens, e tinha consigo uma reserva de 3.000 homens.
A Infantaria francesa começou a perder terreno e a desordenar-se; teve então o Coronel de Cavalaria inglesa ordem de atacar; incorporados com ele andavam dois Esquadrões portugueses, que sustentavam a honra da sua nação; ao mesmo tempo que os combinados começavam a carregar sobre o inimigo, saiu de um pinhal um grande Corpo de Cavalaria francesa; eles porém combateram muito animosamente, e apesar da superioridade do número e [de] estarem mais de quatrocentos passos adiante da linha inglesa, desenvolveram-se perfeitamente bem. Junot, vendo o seu Exército em total derrota, mandou tocar a retirada, e não quis arriscar a reserva, que lhe servia de guarda; todo o seu Estado-Maior se viu correr à rédea solta. Os frutos desta memorável acção foram 21 peças de artilharia, mil e duzentos mortos e oitocentos prisioneiros, entre os quais se contam os dois Generais Brenier e Arnaud; o primeiro, sendo ferido, caiu e foi aprisionado por um Sargento e um Cadete portugueses. O número dos feridos não pode ser menos de 2 a 3.000; muitos destes conduziram os franceses em carros para Torres Vedras; outros ficaram pelos montes, e a generosidade portuguesa os vai recolhendo; só no Hospital desta pequena vila da Lourinhã se acham mais de 20 gravemente feridos; bem diferentes a este respeito os nossos opressores, que têm contra nós exercitado todo o género de crueldades. A perda dos ingleses não excede entre mortos e feridos a 500 homens.



Continuação das Operações do Exército português


No dia 22 saímos de Óbidos para a Lourinhã; o inimigo nos ficava pelo flanco esquerdo, e vimos do caminho alguns dos seus piquetes de homens a cavalo, que pareciam observar a nossa marcha. O nosso General em Chefe mandou pelo Tenente Manuel Ferreira Sarmento dar parte ao General inglês da nossa próxima chegada, o qual mandou dizer pelo mesmo Oficial que ia ser acometido pelos franceses, e que lhe caíssemos sobre a retaguarda. Como porém era de recear que o inimigo quisesse impedir a nossa junção com o Exército britânico, e que nos atacasse, fizemos alto, postos em linha de batalha, querendo ganhar mais algum conhecimento dos seus verdadeiros intentos. Tendo esperado hora e meia e vendo que não aparecia, tomámos o caminho do Vimeiro, que fica daqui uma pequena légua, vila [sic] onde estava o estava o General inglês. Indo em caminho, soubemos que o piquete que produzia o rebate no campo inglês acompanhava o General francês Kellermann, que vinha a entrar em negociações. Acampámos em consequência num sítio que fica daqui a meio caminho de Vimeiro; e se pode considerar actualmente que o nosso Exército faz com o inglês um único combinado de ambas as nações. 
Desde Leiria até à Lourinhã fizemos 13 léguas de marcha, tendo sempre o inimigo no flanco esquerdo, o qual nunca nos quis atacar, apesar de ter dobradas forças dos nossos; uma tal marcha em que sempre nos aproximávamos mais e mais ao inimigo, parecerá talvez temerária a muitos; mas era necessário, e prova pelo menos que não nos poupamos a risco algum para ter a Glória de entrar na acção.