sexta-feira, 22 de abril de 2011

Carta de Junot a Napoleão (22 de Abril de 1808)


Sire,

O Vice-Almirante Seniavin remeteu-me a carta anexa para ser enviada a Vossa Majestade. Informou-me do acordo de Vossa Majestade com o Imperador Alexandre, relativo à esquadra russa que está no porto de Lisboa; foram agora reparados todos os navios, e apenas um deles necessita ainda de uma limpeza do casco, na qual se está a trabalhar. Dentro de 2 meses, Vossa Majestade terá em Lisboa 11 navios de linha. Não deveis contar com os marinheiros que aqui podemos obter, a não ser para completar as tripulações.
Continuamos a gozar uma grande tranquilidade, mas Vossa Majestade deve pensar que eu não estou, pessoalmente, muito tranquilo e que muito me tarda conhecer o resultado dos acontecimentos de Espanha; se eu tivesse mais 10.000 homens, guardaria Portugal muito bem e ainda poderia ter, se necessário, uma boa divisão disponível. Todas as tropas portuguesas estão fora do Reino, com excepção de um Regimento de Cavalaria e da artilharia, de que eu tinha necessidade e conservei, mas há uma prodigiosa quantidade de desertores; era impossível outra coisa num país onde os soldados não são militares e, principalmente, onde os oficiais são o que há de pior
Mas, Sire, ao passo que o exército de terra não apresenta um aspecto que mereça um aspecto que mereça a atenção de Vossa Majestade, o porto de Lisboa merece, pelo contrário, toda a vossa protecção; a sua posição e a sua beleza devem colocá-lo no nível dos primeiros portos da Europa e, nas circunstâncias polícias em que a Península se encontra, os dedicados servidores de Vossa Majestade devem recear que haja alguma tentação de conquista de Portugal antes que Vossa Majestade tenha lançado a este sítio um desses olhares de Génio que possa determinar a importância do porto de Lisboa à beira do Grande Oceano como outrora Alexandre soube designar o ponto onde se construiu a cidade que tem o seu nome
Sentir-me-ia muito feliz, Sire (se alguma circunstância priva este país da felicidade de receber Vossa Majestade), que vos conviesse ordenar-me que fosse expor-vos a situação deste Reino. Creio poder assegurar a Vossa Majestade que ninguém conhece melhor que eu a sua verdadeira posição, os seus interesses políticos e o seu espírito nacional. [...]

[Fonte: Junot, Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, p. 160 (n.º 105)].